XVI CIGeo - Lisboa 2018, XVI Colóquio Ibérico Geografia / XVI Coloquio Iberico Geografia

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ITINERÁRIOS LITERÁRIOS NO ESTADO NOVO. O EIXO DA RUA DA PALMA-AVENIDA ALMIRANTE REIS EM LISBOA: UMA MEMÓRIA EMOCIONAL DE RESISTÊNCIA
Aquilino Ribeiro Machado

Última alteração: 2018-05-29

Resumo


Carpintero (2012) assinala que para compreender a literatura, bem como as paisagens que nelas se inscrevem, é necessário fazer uso da imaginação, recreando um mundo de significações envoltas em inumeráveis emoções que resultam perduráveis para o leitor. Deste entendimento procede a ideia de que os espaços emocionais que se esboçam em torno das paisagens literárias refletem uma dimensão equivalente à que Lévy (1992) refere como uma geografia sensível, apeladamente humanista (Entrikin, 1976), existencial e poética (White, 1994). No fundo, comportam um sentido de transcendência eterna que nos permite apreender e reter o sentido rítmico das nossas cidades. Este é o problema a debater nesta comunicação.

Os resultados provisórios e os que pretendemos ainda explorar abordam a paisagem literária erguida no eixo Rua da Palma-Avenida Almirante Reis, sob o reflexo sombrio do Estado Novo. Usamos o trajeto emocional dos escritores e das suas ficções para falar desta porção temporal que marcou profundamente este eixo lisboeta. Impossibilitada de impor ritmos políticos mais dilatados durante a ditadura, a cadência de apropriação revelou-se através de uma boémia que se espessava em torno dos cinemas populares e das cartografias dos bares e cervejarias, onde ninguém estava “livre de apanhar com um poeta à deriva pela proa” (Pires, 1997). Nesta efabulação de tertúlias cartografamos a presença marcante do café Herminius que funcionaria como um leitmotiv do movimento surrealista português.

Já sem marca do onirismo surrealista a avenida avançaria para o seu remate final, encumeada com o projeto da Praça do Areeiro, mas perdendo aquela sensação de saborosa prodigalidade que chegava das “brisas das hortas repelidas pelo cimento das novas construções” (Miguéis, 1973: 183).

Mas o compasso do tempo determinaria novos ritmos e o eixo ver-se-ia amputado de um conjunto de edifícios centenários e de tantos outros locais de encontro. Muitos territórios da boémia, que faziam animar o sopro da resistência, encerrariam, inclusive o café Herminius que se transformaria “em agência funerária – quere-se maior ironia?” (Pires, 1987).

 

Em suma, a força dos territórios literários e a intensidade da geografia emocional construídas neste eixo desempenham um papel determinante na percepção de lugares de memória que souberam resistir à impiedade do Estado Novo que, por força de uma narrativa mitológica, se associam intimamente ao espírito do sítio.


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