Última alteração: 2018-06-08
Resumo
Lisboa está a viver um pico de projeção internacional enquanto destino turístico, ao mesmo tempo que o seu mercado de habitação adquire formatos de ativo financeiro e atrai dinâmicas globais de procura e de investimento estrangeiro. Este processo foi alavancado por programas governamentais e pela viragem neoliberal na política urbana que fomentaram a atração de uma elite capitalista transnacional e favoreceram a financeirização do imobiliário e a reestruturação urbana na capital portuguesa. Assiste-se agora a uma gentrificação turística, mediante a transformação dos bairros populares e históricos da cidade centro em locais de consumo e turismo, pela expansão da função de recreação, lazer ou alojamento turístico / arrendamento de curta duração que começa a substituir gradualmente as funções tradicionais da habitação para uso permanente, arrendamento a longo prazo e o comércio local tradicional de proximidade, agravando tendências de desalojamento e segregação residencial.
Contudo, esta mudança revela causas mais profundas e estruturais do que as que têm sido divulgadas sobre a “turistificação” da cidade. Começou com uma viragem neoliberal nas políticas urbanas desde 2004 (destacamos inicialmente a criação das sociedades de reabilitação urbana), com a aprovação de uma série de pacotes de leis que foram surgindo sucessivamente. Defendendo uma visão pró-mercado no que respeita à habitação, favoreceram a iniciativa privada, as parcerias públicas-privadas e a competitividade no sector. Esta viragem neoliberal culminou com a aprovação da Nova Lei do Arrendamento Urbano em 2012, em conjunto com a simplificação da Lei do Alojamento Local em 2014, com os pacotes para atracção de investimento estrangeiro, tais como o regime fiscal muito favorável para os Residentes Não Habituais (já desde 2009) e para os Fundos de Investimento Imobiliário, bem como com o programa dos Golden Visa ou Autorização de Residência para Actividade de Investimento, e ainda com o regime excepcional e temporário no sentido da agilização e dinamização, flexibilizando e simplificando os procedimentos de criação de áreas de reabilitação urbana e de controlo prévio das operações urbanísticas de 2014. Todo este quadro fiscal e legal facilitou imenso a financeirização do imobiliário, forma acabada de acumulação e reprodução do capital no ambiente construído.
Como linha metodológica, gostaríamos de destacar que a nossa apresentação configura tão e somente um mero ensaio teórico, problematizador e exploratório desta temática, reconhecendo que carece de referência a casos empíricos concretos sólidos, uma vez que a investigação está ainda numa fase muito embrionária de desenvolvimento do seu modelo conceptual. O corpo do artigo verá intercalada a componente teórica e empírica, com recursos a diversas fontes de informação secundária. Seguindo uma metodologia hipotético-dedutiva, a construção deste ensaio parte de postulados ou conceitos já estabelecidos na literatura consultada, através de um trabalho lógico de relação de hipóteses explicativas, que configura, a nosso ver, uma possível perspectiva de interpretação dos fenómenos em estudo.
Palavras-chave: gentrificação turística, financeirização, habitação, Lisboa.