Última alteração: 2018-05-29
Resumo
Resumo: O concelho do Barreiro, na margem esquerda do Tejo, foi ao longo do século XX um importante pólo industrial. O seu desenvolvimento foi indissociável da instalação e consolidação do complexo industrial da CUF e de uma ampla infra-estruturação ferroviária do território, ambos responsáveis pela atração de população proveniente de outras regiões do país (Almeida, 1988). Durante este período o concelho desenvolveu uma forte identidade cultural de matriz operária e popular, indissociável dos movimentos de resistência à ditadura e ao Estado Novo que se foram constituindo. Concomitantemente, assistiu-se também ao desenvolvimento de diversas expressões de associativismo local com bastante dinamismo. Com o declínio da atividade industrial, iniciado a partir da década de 70 do século XX, o território perdeu população e teve de enfrentar o progressivo abandono de grandes espaços industriais que passaram a estar desocupados, assim como uma crescente degradação do parque habitacional. Este processo de transformação é equivalente ao experimentado por outras grandes cidades industriais na Europa e nos Estados Unidos (ex: Londres, Bruxelas, áreas urbanas do chamado Rust Belt). Uma das tendências seguidas nos processos de reconversão destes espaços consiste na substituição da indústria por novos serviços e atividades de carácter eminentemente artístico e cultural (Queirós et al., 2002). Na verdade, desde meados da década de 90 do século passado, o recurso à cultura e às artes enquanto instrumentos privilegiados para a transformação urbana, muitas vezes em estreita proximidade com o desenvolvimento da atividade económica, tornou-se bastante usual. Não foi seguramente por acaso que a “cidade criativa”, e tudo aquilo que ela encerra enquanto quadro analítico/normativo de referência, se difundiu com grande sucesso, tornando-se quase ubíqua no quadro das estratégias e políticas de desenvolvimento local. As perspetivas críticas não se fizeram esperar, embora não tenham sido capazes de contrariar inteiramente esta tendência. Tendo como pano de fundo o quadro agora descrito, este estudo procura refletir sobre o papel das artes em processos de transformação de áreas (anteriormente) industriais. Efetivamente, desde há alguns anos a esta parte, existem sinais de que um processo deste tipo se tem vindo a desenrolar paulatinamente no Barreiro, sendo a sua análise e compreensão o foco principal deste estudo. Através da realização de entrevistas a alguns dos principais intervenientes no processo, da observação participante de algumas atividades de natureza artística e da realização de grupos de discussão coletiva com atores-chave, analisamos o atual processo de transformação urbana do Barreiro através das artes, tendo em atenção três eixos analíticos principais: i) espacial – com enfoque na reconfiguração dos espaços, suas funções e dinâmicas; ii) sócio-institucional – colocando a tónica no tipo de relações existentes entre os principais atores da mudança; iii) cultural – prestando atenção à importância da identidade e da memória para o desenrolar do processo.